A vida não requer adornos desnecessários em sua jornada. Quem afirma ter cuidado com a natureza, deve se abster dessa busca material absurda, que aprisiona a pobres e ricos. Tem de aprender a desfrutar da simplicidade, entender melhor o lugar onde vive, educar-se, caprichar nas escolhas. Não sou adepto de largar tudo e buscar o isolamento - até porque uma das formas de ser ermitão é nas grandes cidades - com uma dieta de raízes e folhas e sem banho quente, na tentativa de uma pegada ecológica mais leve. Nada contra quem escolhe assim, é o ápice do desapego e certamente os danos ambientais serão menores (apesar do efluente sanitário não tratado, para onde vai mesmo?), mas prefiro pensar que os benefícios da consciência adquirida, da informação e seu poder transformador – além do bem-estar que proporcionam - podem se estender a grandes massas, atuando em larga escala. Assim como a degradação ambiental tem origem nas atitudes erradas de cada um - no papel de bala no chão, nos lixos orgânico e reciclável misturados, ou nas ligações irregulares de esgoto das residências – e toma proporções imensas com as multidões, também a preservação dos recursos naturais segue o mesmo padrão de propagação, partindo de iniciativas individuais que, unidas, formam um feixe cada vez mais espesso de boas práticas e cidadania. Medidas públicas, aplicadas verticalmente, surtirão efeito no Brasil somente quando desenvolvermos um senso político mais apurado, quando mudar o atual quadro de corrupção e ineficiência que todas as esferas do poder público apresentam. Numa previsão otimista, umas três ou quatro gerações, aprendendo e debatendo sobre política e direitos desde cedo para uma regeneração institucional por aqui (devemos admitir que não sabemos nada sobre nosso país, suas leis, seu funcionamento, uma quase total ignorância; somos levianos nas urnas e pagamos um preço caríssimo por esse desleixo). Enquanto esta nova realidade não chega, a de um Brasil melhor, somos forçados a recorrer ao velho faça você mesmo, se pretendemos mudar alguma coisa ao redor. No fundo, não adianta mesmo culpar os governos por tudo, se cada um não fizer a sua parte – soa hipócrita. Sustentabilidade ambiental requer disposição, inclusive para abdicar de algumas coisas que julgamos importantes, em benefício de todos.
Numa regra de três simples, almejando menos produtos expostos (ou impostos?) pela propaganda, deixamos de lado a necessidade de bolar tantos planos de como adquiri-los - o que automaticamente nos libera tempo para pensarmos em coisas úteis e socialmente construtivas. Acho um absurdo ficar triste por não possuir um objeto, seja qual for, sem antes ficar mais triste com tanta injustiça, fome, poluição, miséria. Mas a grande dificuldade sempre foi transformar ideais elevados em ações concretas, pois em um mundo norteado pela injustiça e pelo amor ao dinheiro, normalmente esse acaba se tornando um trabalho solitário, a la Dom Quixote. Aí se define a crucial importância do coletivo: é a cavalaria que atende ao chamado, por estar desperta, consciente, e que engrossa as fileiras contra os moinhos... Tenho divagado na melhor maneira de ajudar os irmãos que estão dormindo embaixo das marquises no Centro, nessas noites de garoa, vento sul e 4°C que tem feito nesse inverno. Já meu lado megalomaníaco ousa questionar, também, sobre qual seria a melhor maneira de mobilizar a população ribeirinha ao longo do Rio Doce para recuperar e preservar as mais de 300 mil nascentes que o abastecem, a fim de acelerar o processo de recuperação daquela bacia hidrográfica, com o recurso natural e a gente da própria terra. Na prática, doei uns cobertores um dia, a sensação foi ótima, mas achei pouco e o novo plano é como aumentar essa quantidade. Já sobre o rio, o primeiro passo tem sido no sentido de buscar conhecimento técnico sobre o assunto. Vamos ver onde tudo isso vai dar - a princípio, só depende de mim. Certo é que cada um escolha aquilo em que vai se engajar, de acordo com suas qualificações, desejos, sonhos, afinidades, valores. Desde que seja bom, desde que tenha utilidade para outras pessoas, não só para si. O foco é diminuir o eu e aumentar o nós, o elas, o eles. Um pouco da elegância do altruísmo sempre faz bem para as pessoas (libera endorfina) e para as sociedades. Até mesmo para as espécies. Quem não conhece a história dos pinguins-imperadores - machos, diga-se de passagem - que formam uma imensa e quentinha colônia para chocar os ovos, no inimaginável inverno antártico, enquanto as fêmeas saem a forragear e ganhar peso para a futura criação dos rebentos? Isso já é impressionante: a divisão de tarefas visando um bem coletivo; vários organismos que, juntos, atuam como um organismo maior. Mais ainda o fato de haver um revezamento entre os que ficam na borda e os do meio da colônia, para que todos se beneficiem do calor do grupo em algum momento. Já imaginou se dependêssemos, nós humanos, desse mecanismo reprodutivo? Quem se habilitaria a ficar no vento?
Gosto de falar de ciência, porque possui um papel transformador. Acredito haver um grande celeiro de novidades e melhorias para nossas vidas sobre as bancadas dos laboratórios mundo afora, neste exato momento. Apesar do jeitão desse pessoal – meio desligados, sempre concentrados em alguma anotação, um pouco distantes por vezes – o que é produzido pelo esforço e brilhantismo dessas mentes, não raro fruto de completa doação durante anos, tem o potencial de modificar profundamente a realidade. Já pensou em ter filhos num mundo com poliomielite endêmica? Ou não saber a causa de tantos recém-nascidos apresentarem crânios menores, desproporcionais, de uma hora para outra? Ou morrer de alergia? Esse é o lado bom da ciência, de uso geral, que populariza os avanços obtidos na pesquisa. Infelizmente, o Brasil é um país onde as novelas ocupam quase 25% da programação da maior emissora de TV aberta, perfazendo umas seis horas diárias de alienação. E nem pensar na utopia de boicotar a TV, caro leitor, um instrumento tão poderoso e de tamanho alcance para a transmissão de conteúdos. Por que não preencher a programação com informação de qualidade, útil para as pessoas? Além de ciência, há um sem número de assuntos que podem ser abordados; arte, memória cultural, filosofia, empreendedorismo, educação ambiental, política, história. Melhor não, isso pode ser perigoso, poder para as pessoas... Então, em vez de Van Gogh, Pessoa ou Fritz Müller, um horroroso folhetim reprisado dos anos 90 - estratégia medieval de controle das pessoas, descaradamente aplicada no horário vespertino. Uma pena, pois a televisão é um meio de comunicação que poderia tornar popular entre crianças e adolescentes a ideia de que é legal ler, estudar, ter projetos – não apenas entreter-se e comprar coisas. O interesse por assuntos construtivos deve ser despertado o quanto antes, tornando-os familiares, corriqueiros. Observar e querer saber são exercícios que tenho a sorte de praticar desde os sete anos de idade, quando ganhei um microscópio de plástico e já observava o belo colorido das células - um guri pançudinho e curioso dos anos 80. Com aquele presente, tive contato com algo que me ajudou a tomar gosto pelo conhecimento: verificar que o que se aplica ao meio natural - planta, cachorro, gato - também se aplica a nós. Somos parte de algo maior, bonito e cheio de detalhes; somos feitos de células! Um pouco mais tarde, nas curvas do caminho, descobri que o conhecimento não brota apenas de uma fonte. Existe o saber do pesquisador do departamento de Engenharia Química da UFSC, que está levando a viabilizar industrialmente a reciclagem do isopor, uma praga poluidora; mas igualmente há o do senhorzinho mateiro, que afirma que determinada espécie de formigas não aparece senão em áreas degradadas, sendo um fiel identificador de problemas nos ecossistemas de sua região. Em todos os casos, o conhecimento só tem valor se utilizado, de preferência por muitos – e sem agredir a natureza. Se não, passa a ser vaidade. Outra coisa surpreendente: cientistas não precisam ser céticos, ateus (nada contra quem o é, mas eu definitivamente não sou). Muitos são obstinados buscadores de compreensões mais sutis e profundas... Não é um paradoxo, depende apenas do enfoque. Abrindo parênteses, particularmente entendo a espetacular criação de Deus como uma misteriosa viagem de informações e proteínas ao longo do tempo, replicando-se, evoluindo, modificando-se, segundo uma engenhosidade inalcançável para que não fosse de origem divinal (você não leu errado, Deus e evolução na mesma frase, sem problemas). Uma opinião totalmente genuína – assim como deveria ser a de cada um, totalmente genuína. Jamais cópia de outras pessoas ou grupos. Fecha parênteses. Vamos voltar a falar de células.
Segundo as leis que regem a vida e suas propriedades de transformação, complexidade não significa adaptação, assim como evoluir nem sempre é agregar – pelo contrário, muitas vezes, se desfazer de coisas que não funcionam e não levam além. O segredo do sucesso pode estar em ideias mais simples e enxutas. Quer ver só? As bactérias. Foram os primeiros seres vivos em nosso planeta (e quem sabe em Marte), surgindo aqui há uns três bilhões e meio de anos, habitando todos os ambientes possíveis, desde crateras de vulcões submarinos até os nossos próprios corpos - por dentro e por fora. Provavelmente serão os derradeiros inquilinos a deixar a Terra, quando tudo arder em chamas pelo colapso do sol. Meio apocalíptico, mas certamente se trata de um imenso sucesso evolutivo o case do Reino Monera - decorrente não de estratégias adaptativas muito complicadas, mas de saber extrair o que é necessário, daquilo que está disponível. Como se não bastasse toda a adaptabilidade e eficiência dessas células procariontes, as células chamadas eucariontes (com estruturas internas especializadas e compartimentadas, como as que compõem nosso corpo ou a plantinha ali no vaso, por exemplo) abrigam e se valem de “bacteriazinhas” ancestrais em seu citoplasma para efetuar a respiração celular. São as famosas mitocôndrias, das aulas de biologia do segundo grau – e esta certamente é a parceria mais antiga do mundo. Um dia, uma célula maior e mais segura deixou outra célula, bem menor, morar em seu interior. Protegida, a residente, muito boa em quebrar ligações químicas com liberação de energia, passou a fornecer seus serviços para a parceira grandona. Esta, por sua vez, se utilizava da energia liberada em seu interior para o metabolismo e, em retribuição, fornecia casa e comida para a menor. Troca bastante justa – e que tem funcionado há bilhões de anos. Essa ideia tomou forma através de uma belíssima teoria científica, a da endossimbiose, formulada pela bióloga Lynn Margulis. Evidencia sobremaneira que um valor nobre como a cooperação é fundamental na natureza, inclusive em nível celular, sendo indispensável na luta das espécies pela sobrevivência. Não posso deixar de fazer analogias: nós, mentes consideradas superiores, poderíamos nos ater mais em gerar efeitos positivos nas grandes células que nos comportam - casa, família, rua, bairro, cidade, planeta. Lógica mitocondrial, educação ancestral, oferecer algo em retribuição ao acolhimento. Em nosso caso, o pagamento pode ser em ideias ou em atitudes. Ou ambas. A natureza nos abastece de tudo aquilo de que precisamos. No entanto, temos retirado demais dela, querendo o que é desnecessário – especialmente quando insistimos em adotar os padrões de consumo das grandes potências capitalistas, com seu péssimo hábito de criar necessidades onde antes não havia. Pensando dessa forma podemos concluir, quase sem esforço, que os melhores exemplos de sustentabilidade ambiental devem ser encontrados fora do sistema de produção e consumo do qual fazemos parte, ou às margens dele. Poderíamos tentar aprender com tais modelos, copiá-los – um antropofagismo cultural ecológico.
Certos povos e etnias adotam, há muito tempo, práticas extremamente positivas para o meio ambiente. Verifica-se neles, invariavelmente, senso de grupo e um instinto muito apurado de preservação daquilo que os sustenta, não havendo espaço para individualidades destrutivas ou egoísmo nesses grupos. Observando este cuidado com os recursos naturais que muitas sociedades humanas apresentam, pela lente da evolução das espécies (em última análise, organismos tentando propagar seus genes, através das gerações), conclui-se serem tais populações bastante adaptadas, com grandes chances de seleção positiva frente a pressões ambientais. Ou seja, se a natureza começar a dificultar as coisas para a humanidade de forma extrema (com secas, chuvas, frio, ou qualquer outra adversidade ambiental severa), as sociedades mais aptas e com maiores chances de sobrevivência a esses quadros catastróficos serão aquelas conhecedoras dos ciclos naturais e do manejo adequado da natureza e de seus recursos. Povos mais rudimentares aos nossos olhos poderão estar mais preparados do que nós, com toda nossa tecnologia e dinheiro, para habitar a Terra caso seja necessário enfrentar tempos mais difíceis. Há inclusive números que demonstram essa aptidão. Em alguns estudos publicados, os índices ecológicos que expressam diversidade e riqueza de espécies apontam para valores mais altos em florestas habitadas pelo povo Guarani, do que nas matas circunvizinhas. Isto é, há maior quantidade e variedade de animais, plantas e uma teia muito mais complexa de relações ecológicas, em áreas de mata ocupadas por guaranis. Mas, vale salientar, isso é inerente apenas a índios que preservam seus costumes e vivem de maneira tradicional. Estes sabem, intrinsecamente, que precisam dos recursos preservados para sobreviverem, para obterem da terra continuamente aquilo que é necessário para a manutenção da vida. Por isso sua presença muitas vezes provoca um impacto ambiental positivo no local. Impressionante, é exatamente o oposto daquilo a que estamos acostumados a praticar. Você então pode se indagar, “e aqueles índios em situação de penúria que encontramos no centro da cidade, vendendo umas pecinhas de artesanato e umas orquídeas”... Essa deterioração cultural é decorrente da perda do saber tradicional. Diversas aldeias e famílias que compõem o povo Guarani (ocorreu o mesmo com outros povos indígenas), pela proximidade aos costumes ocidentais e urbanos, deixaram-se contaminar ao longo desses 500 e poucos anos. Perderam – e continuam perdendo – sua identidade como povo, além de suas próprias vidas.
Quando se busca a preservação ambiental – mais uma vez, a partir da força da iniciativa individual visando a objetivos coletivos – é produzido um efeito cascata sobre os aspectos sociais, e vice-versa. A melhoria nas condições de vida traz consigo um despertar ecológico, uma vontade de arrumar as coisas. Não só os guaranis, mas todos que de alguma forma estão marginalizados, lutando para sobreviver, recebem exponencialmente aumentados os benefícios de uma baía saudável para coletar seus berbigões, de uma horta comunitária, da ressurreição de um rio morto – ou seja, do nosso engajamento por suas causas, quer grandes ou pequenas. Sem dúvida, as mazelas ambientais são capazes de afetar todas as classes sociais, pois todos dependem das mesmas fontes de recursos naturais, indistintamente. A diferença é que uns tem uma vala fétida passando debaixo de seus assoalhos, enquanto outros moram em locais onde a falta de coleta de esgoto é camuflada por calçadas e ligações nas redes de águas pluviais. Olhando assim fica nítido por onde se deve começar o trabalho de recuperação, tanto ambiental como social. Mobilizando-se e oferecendo um pouco de ajuda a quem precisa, proporcionando-lhes crescimento – especialmente por meio de oportunidades e acesso ao conhecimento – o caminho para a preservação da natureza é encurtado. Todo mundo quer viver bem, em condições decentes, mas nem todos sabem ao certo como fazer isso, como promover as mudanças necessárias em suas realidades. Logo, o dever de quem sabe é ensinar, mostrar o caminho – contribuir para o grupo, oferecer algo em troca, lembra? Até porque, repito, todos queremos viver bem. Mas por que tantas redundâncias? Ora, para ressaltar que, embora muitas vezes julguemos ter alcançado essa tal vida boa que tanto se almeja – merecidamente e ao custo de muito trabalho, eu sei - na verdade nada estará completo se, ao nosso redor, houver miséria humana e degradação ambiental. Bem-estar e dignidade não são somente para alguns. Façamos todos algo a esse respeito, sempre.