Acabou 2015 e iniciou 2016. Foi um ano de extrema turbulência. Choviam canivetes por todos os lados. Contudo, nos seus últimos dias (como corriqueiro é a cada final de ano), parece que pairou um sentimento de altruísmo sobre a humanidade. Nestas épocas, empatia e vontade de fazer o bem é o que mais se vê pelas timelines de amigos e até mesmo aqueles que cuspiam fogo pela boca amolecem seus corações e desejam paz, amor e prosperidade a todos. Mas esta coluna não é sobre alimentação?
Pois então... o alimento é uma ferramenta espetacular na materialização da vontade de fazer o bem. De acordo com Ariovaldo Franco¹, a tendência humana de compartir alimentos, sinal básico de hospitalidade e preocupação com o bem estar do próximo, se dá, primeiramente, quando o homem torna-se capaz de abater grandes caças. Sem técnicas eficazes de conservação, a saída mais adequada seria compartilhar com os demais. A alimentação representa, portanto, uma peça chave no desenvolvimento da humanidade não somente pelos fatores nutricionais, mas também devido à simbologia que a rodeia.
De Jesus Cristo - que multiplicou pães e peixes e deixou o pessoal numa boa - aos chineses que oferendam arroz cozido aos seus ancestrais em troca de proteção, dar alimento ao outro faz bem para nós mesmos. É químico, libera dopamina². Vais me dizer que não é lindo ver uma mãe, de qualquer espécie, amamentando? Ou a mamãe passarinho alimentando seus filhotes no ninho. E veja bem: ela ciscou, encontrou uma minhoca, engoliu o anelídeo, deixou-o no papo para dar uma temperada e, morninho, regurgitou diretamente na boquinha do passarinho pelado. Só não é mais asqueroso porque é lindo! É o tal do altruísmo nutricional.
Crawford (2010)³ e seus colegas, caracterizaram essa relação de preocupação com a alimentação de um ente próximo como “Altruísmo Nutricional” ao detectarem que mulheres que proviam o alimento para seus filhos buscavam uma dieta mais saudável, e eram mais abertas à utilização de alimentos com algum apelo à saudabilidade. Eu vou além. Para mim, este conceito poderia abranger toda e qualquer forma de promover o bem a outrém por meio de comida, por isso, vou chamar aqui de “Altruísmo Alimentar”. E uma forma bastante disseminada de fazer o bem é doando alimentos. Bons exemplos são os bancos de alimentos.
Estes, representam estruturas organizacionais estabelecidas de forma legal e que possuem como objetivo melhorar a distribuição de alimentos, buscando aonde sobra e levando para onde falta. Estas iniciativas contribuem tanto para o combate à insegurança alimentar das comunidades como para a diminuição dos desperdícios e perdas gerados. Aqui em Florianópolis existe uma iniciativa nacional encabeçada pelo SESC que se chama Mesa Brasil. Eles são um banco de alimentos que recolhe frutas, legumes e verduras, frios e laticínios, grãos e cereais, enlatados e conservas, pães e massas, carnes e derivados, água e suco e encaminha a instituições de caridade. Além disso, atuam em atividades educacionais relacionadas ao projeto.
Outra atividade que o Mesa Brasil contribui foi no projeto intitulado Dia Nacional da Coleta de Alimentos, que no dia 7 de Novembro arrecadou 157 toneladas em 51 cidades de todo o Brasil. Funciona assim: equipes de voluntários se distribuem em diferentes supermercados e solicitam aos clientes que, juntamente com suas compras, também adquiram alimentos não perecíveis para que sejam encaminhados a instituições de caridade da cidade. Aqui em Floripa foram arrecadadas mais de 10 toneladas que foram encaminhadas para 18 instituições de caridade. Tudo isso em um sábado, imagina se fosse possível realizar em outros dias durante o ano.
Somente no estabelecimento onde eu participei (Bistek da Costeira) nós conseguimos 908Kg. Mas a minha equipe era forte! Fomos liderados pelo Joabel, um engenheiro elétrico extremamente elétrico, batia o escanteio e cabeceava. Atuava desde o contato com os clientes até a organização e acomodação dos alimentos acumulados. Também tinha a Marisa. Ela é voluntária em uma instituição localizada no Saco dos Limões que seria uma das beneficiadas. A cada pessoa que ela abordava era possível ver o quão importante cada quilo doado seria. Suas histórias e sua consciência diante daquilo me motivou não somente para aquela atividade, mas para a vida. Emelina e seu marido, o Fábio, também eram incríveis. Enquanto ela usava de táticas para se posicionar estratégicamente onde todas as pessoas que estivessem no mercado tomassem conhecimento da campanha, ele ficava no backstage, selecionando e acomodando as arrecadações. Ainda contamos com a ajuda da Thamara, do Mateus, do Eduardo, da Alda (que levou consigo a filha e uma amiguinha, aprendendo desde cedo o quanto é bom ajudar) e outros voluntários que tornaram aquela empreitada um sucesso. Em 2016 o dia será 5 de Novembro, save the date, é muito bacana, libera dopamina.
Estas iniciativas são sensacionais, mas ainda representam pouco diante do que podemos fazer. Aqui no Sul da Ilha, por exemplo, com esta grande quantidade de estabelecimentos alimentares, poderíamos ter um banco de alimentos perene, anual. Caso exista alguma iniciativa neste sentido, me avisem, vamos divulgar. Caso exista alguém com intenção de montar algo neste sentido, vamos conversar, trocar ideias, bolar um plano e liberar dopamina.
Referências
¹ Franco, Ariovaldo. De caçador a gourmet: uma história da gastronomia. São Paulo: Ed. Senac, 2001
² Neurotransmissor com diversas funções e que é liberado pelo cerébro, entre outros momentos, em situações agradáveis.
³ Crawford P, Brown B, Nerlich B, et al. Nutritional altruism and functional food: lay discourses on probiotics. Social Health Illn. 2010; 32 (5): 745-60.