Ninguém me convence que o aumento de produção de alimento é a saída para sanar a fome do mundo. E o pior é que este argumento vem sendo usado com veemência para rebater um movimento global que faz emergir formas alternativas e conscientes de produção e consumo de comida. Em primeiro lugar, perde-se e desperdiça-se 1/3 de todo alimento produzido no mundo. Em segundo, vivemos em uma época que consolidou a comida como uma mercadoria, incorrendo, portanto, na necessidade de aquisição dos alimentos e todas os penduricalhos que vem junto com a lógica econômica de mercado (oferta x demanda, especulação, concentração, etc...).
Nessa lógica, cada farelo que vamos consumir passa a ser a materialização do trabalho e do capital (grana) empregado e almejado em cada uma das tarefas que se dão entre o campo e a mesa. Ou seja, precisa-se de capital (grana) para ter acesso à comida. Só se ganha dinheiro – de forma honesta – trabalhando. Mas e se o cidadão não tem trabalho? E se o fruto do seu trabalho não lhe dá condições de se alimentar dignamente? Ele está fadado ao assistencialismo e à caridade? Tomara que não... Mas o que espero tornar evidente é o fato de que a fome é um problema de acessibilidade e distribuição, muito mais enraizado em questões políticas e interesses que orbitam a atmosfera da pobreza do que na própria quantidade produzida.
O panorama descrito acima se sustenta no processo de urbanização ao qual estamos submetidos. Para cada pessoa que vive nas cidades é necessário pessoas no campo produzindo seu rango... ou não? Uma das emergentes alternativas que menciono é a cultura das “Hortas Urbanas”. O tema vem ganhando força em círculos acadêmicos e, principalmente, em iniciativas locais que vêm mudando a vida de determinados coletivos. Embora a Agricultura Urbana também possua projetos com apelo comercial, muitas das iniciativas não visam lucros, e sim benefícios sociais e ambientais para a coletividade local.
Aqui em Florianópolis, o tema será discutido dia 25 de Junho (Sábado), no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, a partir das 8 horas. De uma olhada no folder anexado.
Também aqui, há algum tempo, se estruturou o Núcleo “Quintais de Floripa”, que foca no desenvolvimento de hortas urbanas por meio da capacitação da comunidade e no fortalecimento de redes e práticas de permacultura (conforme indica o website do projeto http://novash.com.br/quintais-de-floripa/). Este núcleo se estrutura em conceitos que vão muito além do simples abastecimento da cidade, ele objetiva: (1) Integrar e fortaler ações focadas na agricultura urbana e na permacultura (https://pt.wikipedia.org/wiki/Permacultura); (2) desenvolver hortas e converter terrenos improdutivos; (3) gerar sementes e mudas para a comunidade; (4) capacitar e desenvolver projetos para a geração de renda e alimentos junto a comunidades carentes; (5) Projetos junto a entidades com foco na reciclagem orgânica e produção de alimentos, e; fortalecer a Rede de Agricultura Urbana Municipal.
Já existem hortas espalhadas pela cidade e seus endereços podem ser verificados no site do “Quintais de Floripa”. Uma delas, a do PACUCA (Parque Cultural do Campeche), surgiu da parceria do “Quintais” com Destino Certo, AMOCAM, Intendência do Campeche, Conselho de Saúde do PACUCA e a Comcap, e vem materializando os objetivos descritos a partir de conscientização, educação, diversão e um incrível senso de coletividade, conforme se vê no vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=9s1nMG3WAhQ).
Outro tremendo projeto que se concretiza, logo ali na África, é o “10.000 Hortas na África” (10.000 Gardens in Africa). Tremendo tanto em quantidade quanto em conceito, o projeto é desenvolvido pelo movimento Slow Food. Seu fundador, Carlo Petrini, bem disse há alguns dias atrás (http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2016/06/1779266-e-preciso-rever-a-producao-de-alimentos-diz-criador-do-slow-food.shtml ) que “Certamente a pequena produção local pode ajudar muito o problema da fome (...) o projeto de "10.000 Hortas na África" conseguiu criar até agora cerca de 2.093 hortas com escolas, vilarejos e periferias de cidades em mais de 35 países africanos. Uma horta tem várias funções: defende as sementes e a biodiversidade; com o plantio, envolve pessoas de todas as idades para valorizar os produtos locais e trabalhar em busca da suficiência e da soberania alimentar”.
O “Quintais de Floripa” e o “10.000 Hortas na África” estão extremamente afastados geograficamente e extremamente unidos em conceitos. Suas propostas transformam a realidade daqueles que se envolvem e representam a resistência à banalização da alimentação. Afinal de contas, como já disse outrora (https://ducampeche.com.br/coluna/pedroxavier/como-o-que-eu-como-pode-mudar-o-futuro ), comer deve ser encarado com um ato político.
Para quem se interessar, segue um apanhado de links sobre o tema:
https://urbanfarminginstitute.org/
http://offgridquest.com/green/san-antonio-makes-urban-farming-legal-th
http://video.ft.com/4699237604001/Hong-Kongs-urban-farms/World
http://www.livablefutureblog.com/2016/01/a-vision-for-los-angeles-urban-ag-paradise
http://disenosocial.org/huertos-urbanos-0512/
http://www.nature.com/nature/journal/v531/n7594_supp/full/531S60a.html
http://www.takepart.com/article/2016/05/10/urban-agriculture
http://www.dw.com/en/urban-agriculture-to-feed-the-masses/a-19178394